terça-feira, 5 de março de 2013

Vernaculania de "não tem?!"

          Neste final de semana me deparei com um texto que escrevi há algum tempo sobre uma expressão identitária desta região onde vivo - 'não tem?!' - e penso que seria interessante reavivá-la ao leitor. A publicação se deu em 01 de novembro de 2006, no jornal de Criciúma "A Tribuna", portanto alguns nomes  e episódios narrados, que aparecem, devem ser colocados naquele contexto sócio-histórico.

Vamos a ele! - Vernaculania de 'não tem?!'

               "Não tem estudo linguístico, pelo que se saiba, sobre o ‘não tem?!’, entretanto, está por aí na ‘boca do povo’, ou melhor dizendo, na ‘boca’ do criciumense; e, ‘cá pra nós’, é uma expressão ‘pra lá’ de simpática. Não há dúvida de que ela é identitária, porque se assemelha a uma bandeira empunhada pelo falar não só do criciumense, e, claro, dos falares das cidades circunvizinhas, não tem?!
                No ciclo promovido pelo curso de Letras, tivemos a ilustre presença da Academia Criciumense de Letras, que nos contou parte de sua história. De repente, entre um falar e outro, eis que aparece o ‘não tem?!’ – proferido por um dos membros da academia, não tem?! Por um instante, pus-me a pensar – divaguei mesmo –  me perguntando se seria adequado, diante daquela situação de maior formalidade, enunciar ‘não tem?!’ Vindo de tão ilustre ministrante. Pois é....independentemente daquela situação, não consigo lembrar de nenhuma expressão mais acolhedora que pudesse arrebatar a plateia do que dizer ‘não tem?!’ Que felicidade....que ‘bola dentro’ a da acadêmica!! Queria ter sido eu a proferir essas palavrinhas e ter a atenção daquelas jovens mentes só para mim. Dizer ‘não tem?!’ é convidar o outro a celebrar comigo, é compartilhar com o outro o dito, é corroborar e não negar, mesmo que a negação componha a expressão, não tem?!
               Em tempos de muita pesquisa na linguagem, estuda-se de tudo. Encontramos estudos do ‘né’, ‘então’, ‘daí’, ‘aí’, explicando sua funcionalidade no discurso oral e de sua migração para a modalidade escrita em registros de toda espécie. Essas expressões são estudadas em função de estar no falar do brasileiro de um modo geral, não se pode dizer que identifica um grupo ou região. Trata-se do que conhecemos como marcadores discursivos que, dentre inúmeros significados, convidam o interlocutor a respaldar de alguma forma o que sesta sendo dito. E não tem?! que o nosso ‘não tem?!’ entra nesse rol, não tem?! Mas por que  não tem estudo sobre o não tem?! Quero crer que o ‘não tem?!’ é só nosso, identifica o nosso grupo, a exemplo do que ocorre com ‘tchê’ do gaúcho, embora o funcionamento seja distinto, não tem?!
               Parece retórico falar em identificação de grupo, mas vejam: não importa se você é vascaíno ou flamenguista, ou, ainda, Lula ou Alckmin, se o ‘não tem?!’  faz parte do vernáculo, você faz parte do grupo, você se identifica comigo e eu com você. Essa coisa de variedade linguística na Europa é tão forte, que o dialeto é quase outra língua não só pela distinção estrutural do sistema, mas pela valorização a ela atribuída. Há inúmeros dialetos só na Bélgica (sem falar das três línguas oficiais: holandês, francês e alemão) que delimitam território e, consequentemente, grupos. Esses grupos se identificam pelas suas coisas: pelo seu vernáculo, característico do dialeto; por sua própria cerveja, valorizando-a ao tomá-la; e pela degustação do queijo de sua região.
               Assim, convoco vocês, por meio deste manifesto, a reivindicar o que é nosso: a vernaculania de ‘não tem?!’, pois ele é só nosso,  não tem?!"

3 comentários:

  1. A dissertação de Carla Valle foi sobre o "não tem?". E é de 2000. Então, tem estudo do não tem? sim!!!

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  2. Carla Regina Martins Valle5 de março de 2013 às 14:31

    Oi, Ângela. Gostei muito do artigo. Comecei a estudar esse MD em 1998 ainda como bolsista do VARSUL, e em 2001 defendi minha dissertação sobre ele e outros MDs. Agora estou escrevendo tese, com defesa prevista para fevereiro de 2014, sobre "não tem?" e sobre "entendesse?" como marcas de identidade do falar Florianopolitano. Realmente estou podendo comprovar que estes são itens que atuam fortemente como índices de identidade de grupos de falantes, principalmente daqueles do interior da ilha. Beijo. Carla Regina Martins Valle

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  3. Destaca-se, também, outra peculiaridade criciumense que é o tal do "certinho".

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