domingo, 10 de março de 2013

Vernaculania de ‘não tem?!’ – segundo episódio


                    Na edição de 05 de março, expressei meu amor incondicional à variação linguística, trazendo para discussão o ‘não tem?!’ que sempre me pareceu muito característico de Criciúma e região. Mas é preciso rever a primeira fala do texto, mais especificamente seu início “Não tem estudo linguístico, pelo que se saiba, sobre o ‘não tem?!’” – Na verdade, há SIM, e a pesquisadora que tem se debruçado sobre o assunto é a professora Carla Valle, a quem gostaria de agradecer pelo comentário postado. Carla Valle possui dissertação (Mestrado em Linguística - Ufsc), defendida já em 2001, em que aborda o tema, sob o título de “SABE? ~ NÃO TEM? ~ ENTENDE?: itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo”. 
                    Carla Valle ainda, em contato comigo, disse que começou a estudar os marcadores discursivos (palavras como as que estão no título do trabalho) em 1998, e, agora, já avança em seu doutoramento, com defesa prevista para 2014, explorando além do ‘não tem?!’, o ‘ entendesse’ – ambos como marcas de identidade do falar Florianopolitano. Penso que, intuitivamente, já podemos contribuir com Carla Valle, de que o ‘não tem?!’ parece ser também identitário dos criciumenses....fica aí uma proposta de continuidade a outros pesquisadores que se interessarem pelo tema.
              Vale a pena aqui destacar o projeto que une pesquisas como a da Carla Valle, com foco nos marcadores discursivos, e como a minha, associada a categorias verbais de modo colocar em evidência unidades discursivo-funcionais como temporalidade, aspectualidade e modalidade. Trata-se do projeto Varsul (Variação Linguística na Região Sul do Brasil), que tem por objetivo geral a descrição do português falado e escrito de áreas socioculturalmente representativas do Sul do Brasil.  
               Em Florianópolis – UFSC, os professores a frente do projeto, atualmente, são Paulino Vandresen, Edair Görski, Izabel Seara, Isabel Monguilhott, com coordenação geral da agência Varsul da Ufsc,  Izete lehmkuhl Coelho.
           Então, se você se interessou, ou porque pretende avançar em seus estudos ou porque é um autodidata e se interessa pelos estudos da linguagem, acesse o link do projeto http://www.varsul.org.br, para visualizar tudo o que foi e tem sido produzido e, também, saber quais são as outras IES envolvidas.
É isso...por enquanto.....

terça-feira, 5 de março de 2013

Vernaculania de "não tem?!"

          Neste final de semana me deparei com um texto que escrevi há algum tempo sobre uma expressão identitária desta região onde vivo - 'não tem?!' - e penso que seria interessante reavivá-la ao leitor. A publicação se deu em 01 de novembro de 2006, no jornal de Criciúma "A Tribuna", portanto alguns nomes  e episódios narrados, que aparecem, devem ser colocados naquele contexto sócio-histórico.

Vamos a ele! - Vernaculania de 'não tem?!'

               "Não tem estudo linguístico, pelo que se saiba, sobre o ‘não tem?!’, entretanto, está por aí na ‘boca do povo’, ou melhor dizendo, na ‘boca’ do criciumense; e, ‘cá pra nós’, é uma expressão ‘pra lá’ de simpática. Não há dúvida de que ela é identitária, porque se assemelha a uma bandeira empunhada pelo falar não só do criciumense, e, claro, dos falares das cidades circunvizinhas, não tem?!
                No ciclo promovido pelo curso de Letras, tivemos a ilustre presença da Academia Criciumense de Letras, que nos contou parte de sua história. De repente, entre um falar e outro, eis que aparece o ‘não tem?!’ – proferido por um dos membros da academia, não tem?! Por um instante, pus-me a pensar – divaguei mesmo –  me perguntando se seria adequado, diante daquela situação de maior formalidade, enunciar ‘não tem?!’ Vindo de tão ilustre ministrante. Pois é....independentemente daquela situação, não consigo lembrar de nenhuma expressão mais acolhedora que pudesse arrebatar a plateia do que dizer ‘não tem?!’ Que felicidade....que ‘bola dentro’ a da acadêmica!! Queria ter sido eu a proferir essas palavrinhas e ter a atenção daquelas jovens mentes só para mim. Dizer ‘não tem?!’ é convidar o outro a celebrar comigo, é compartilhar com o outro o dito, é corroborar e não negar, mesmo que a negação componha a expressão, não tem?!
               Em tempos de muita pesquisa na linguagem, estuda-se de tudo. Encontramos estudos do ‘né’, ‘então’, ‘daí’, ‘aí’, explicando sua funcionalidade no discurso oral e de sua migração para a modalidade escrita em registros de toda espécie. Essas expressões são estudadas em função de estar no falar do brasileiro de um modo geral, não se pode dizer que identifica um grupo ou região. Trata-se do que conhecemos como marcadores discursivos que, dentre inúmeros significados, convidam o interlocutor a respaldar de alguma forma o que sesta sendo dito. E não tem?! que o nosso ‘não tem?!’ entra nesse rol, não tem?! Mas por que  não tem estudo sobre o não tem?! Quero crer que o ‘não tem?!’ é só nosso, identifica o nosso grupo, a exemplo do que ocorre com ‘tchê’ do gaúcho, embora o funcionamento seja distinto, não tem?!
               Parece retórico falar em identificação de grupo, mas vejam: não importa se você é vascaíno ou flamenguista, ou, ainda, Lula ou Alckmin, se o ‘não tem?!’  faz parte do vernáculo, você faz parte do grupo, você se identifica comigo e eu com você. Essa coisa de variedade linguística na Europa é tão forte, que o dialeto é quase outra língua não só pela distinção estrutural do sistema, mas pela valorização a ela atribuída. Há inúmeros dialetos só na Bélgica (sem falar das três línguas oficiais: holandês, francês e alemão) que delimitam território e, consequentemente, grupos. Esses grupos se identificam pelas suas coisas: pelo seu vernáculo, característico do dialeto; por sua própria cerveja, valorizando-a ao tomá-la; e pela degustação do queijo de sua região.
               Assim, convoco vocês, por meio deste manifesto, a reivindicar o que é nosso: a vernaculania de ‘não tem?!’, pois ele é só nosso,  não tem?!"